sábado, 20 de setembro de 2008

O Porquê da Humanidade

Caros bloguistas, não faço ideia! Ando à procura de resposta, como toda a gente que pensa nisto, acho eu. Encontrei dois exemplos giros de procura, que colocarei aqui. O primeiro, de Virgílio Ferreira, do livro Pensar, encontrei-o num manual de Filosofia e adorei, porque me apareceu numa altura em que andavam a mandar-me um lixo para a cabeça chamado "O Segredo" e mais a Filosofia Fish e as baboseiras ridículas do Life Training. Aqui vai:

"Olha a vida e sorri. E não te perguntes para quê. porque o mais extraordinário dela é justamente não ter para quê. Saber para quê é dar-lhe uma finalidade conclusa, limitá-la, fechar-lhe o seu excesso. Pensa assim que o seu absurdo é a sua maior razão. Não sejas contabilista, utilitarista burguês. Não desvaries em palhaçada, que é ainda uma forma de te doeres com ela. A gratuidade de uma oferta não é a sua maior valia? A vida não se te dá como uma esmola de senhora caritativa. (...) A vida dá-se-te espontaneamente, sem razão alguma para esse dar. Não queiras inventar uma razão para a razão nenhuma disso. Haverá uma ordem no infinito, não a penses agora. Porque pensar nela é ainda achar uma razão. (...) Houve o milagre do teu encontro e é tudo."

O segundo é uma peça de teatro do grande José de Almada Negreiros Poeta d'Orpheu Futurista e Tudo, que encontrei numa edição fac-similada da revista Athena, denominada "Pierrot e Arlequim" - as duas personagens da comedia del arte, com ideias completamente contrárias. Não a posso colocar aqui, na íntegra, mas procurem-na, que vale muito a pena.

Basicamente, Pierrot não faz nada, é um triste, sabe a coisa que o fará alegre, mas não a consegue alcançar. Arlequim faz tudo quanto há, é um alegre que procura não sabe o quê, mas que procura na mesma e, como não encontra, é tão triste quanto Pierrot. Arlequim diz que alegria é andar à procura de alegria e Pierrot diz que alegria é já não ter que andar à procura dela. Pierrot é indolente, Arlequim ri e chora.
Ambos morrem, ambos não casam e, no caixão, há o diálogo final: Arlequim diz que teve a melhor ideia de sempre e que vai mudar o mundo com essa ideia; Pierrot diz que teve uma ideia ainda melhor; não conseguem valorar a ideia e Pierrot convence Arlequim a dizer a sua primeiro - "A minha ideia é que não digas a tua ideia"; Arlequim pergunta porquê e Pierrot fala-lhe da ironia de ter feito tanto e de não ter concretizado a melhor das ideias e que agora era tarde para o fazer; Arlequim diz que era mesmo uma grande ideia e Pierrot acredita e ambos acham que é tarde para fazer seja o que for.
Eu cá gosto mais da busca de Arlequim, embora saiba que vai dar ao mesmo... E vossas mercês?

2 comentários:

Sofia disse...

Sabes o que é o melhor da vida? É vivê-la. Se não o for há-de ser outra coisa, não sei, ninguém sabe. Mesmo se soubessem, saberiam utilizá-lo da melhor maneira? Assim estragavam tudo, não tinha piada, andavamos aqui a meter nojo.
Vamos não pensar na vida, vamos senti-la.
"Houve o milagre do teu encontro e é tudo".

Aqui a minha mercê também gosta mais da busca do Arlequim, mas não consegue deixar de se sentir ligada, íntimamente ligada, à do Pierrot. Mas lá está, afinal, vai dar tudo ao mesmo.
Acho que já percebi porque queres ser o Arlequim em vez do Pierrot, mas prefiro guardá-lo para mim.

(Tenho saudades dos tempos das teorias do Life-Training e da Filosofia Fish, não por elas, mas pelas recordações que me trazem)

Anónimo disse...

nao resisti a partilhar isto conitgo...
(provavelmente ja conheces, mas no youtube ha uma leitura optima, de joao villaret: procura-a)

Cântico negro

José Régio


"Vem por aqui" — dizem-me alguns com os olhos doces
Estendendo-me os braços, e seguros
De que seria bom que eu os ouvisse
Quando me dizem: "vem por aqui!"
Eu olho-os com olhos lassos,
(Há, nos olhos meus, ironias e cansaços)
E cruzo os braços,
E nunca vou por ali...
A minha glória é esta:
Criar desumanidades!
Não acompanhar ninguém.
— Que eu vivo com o mesmo sem-vontade
Com que rasguei o ventre à minha mãe
Não, não vou por aí! Só vou por onde
Me levam meus próprios passos...
Se ao que busco saber nenhum de vós responde
Por que me repetis: "vem por aqui!"?


Prefiro escorregar nos becos lamacentos,
Redemoinhar aos ventos,
Como farrapos, arrastar os pés sangrentos,
A ir por aí...
Se vim ao mundo, foi
Só para desflorar florestas virgens,
E desenhar meus próprios pés na areia inexplorada!
O mais que faço não vale nada.


Como, pois, sereis vós
Que me dareis impulsos, ferramentas e coragem
Para eu derrubar os meus obstáculos?...
Corre, nas vossas veias, sangue velho dos avós,
E vós amais o que é fácil!
Eu amo o Longe e a Miragem,
Amo os abismos, as torrentes, os desertos...


Ide! Tendes estradas,
Tendes jardins, tendes canteiros,
Tendes pátria, tendes tetos,
E tendes regras, e tratados, e filósofos, e sábios...
Eu tenho a minha Loucura !
Levanto-a, como um facho, a arder na noite escura,
E sinto espuma, e sangue, e cânticos nos lábios...
Deus e o Diabo é que guiam, mais ninguém!
Todos tiveram pai, todos tiveram mãe;
Mas eu, que nunca principio nem acabo,
Nasci do amor que há entre Deus e o Diabo.


Ah, que ninguém me dê piedosas intenções,
Ninguém me peça definições!
Ninguém me diga: "vem por aqui"!
A minha vida é um vendaval que se soltou,
É uma onda que se alevantou,
É um átomo a mais que se animou...
Não sei por onde vou,
Não sei para onde vou
Sei que não vou por aí!


um beijini, di ritini santini