segunda-feira, 7 de julho de 2008

Absurdo, Acaso e Liberdade

Andei eu a reflectir nestas questões nestes últimos dias. Ao Sr. Anónimo, obrigado pelo hábito, que é, realmente, fulcral para a compreensão do absurdo.
Encontramo-nos, na Filosofia do Absurdo, perante três conflitos:
o acaso contra a liberdade;
a finitude contra a eternidade;
o hábito contra o amor (ou o sentimento, em geral).

Comecemos por tentar resolver o acaso. Finitude e hábito ficam para outros dias. O acaso existe? Com certeza. Estamos expostos a catástrofes naturais. A acidentes provocados por terceiros. A doenças sem cura. Em suma, não somos senhores de nós. Aliás, não somos totalmente senhores de nós, porque se o não fossemos totalmente, não existiria a responsabilidade, tão pouco a escolha. O acaso soa a natureza, mas o homem é contranatura: dentro do determinismo a que está sujeito, tem toda a liberdade de escolha, isto é, o acaso determina apenas o campo de acção em que podemos escolher e não a escolha em si. Deste modo, Mersault tinha inúmeras hipóteses no momento em que o acaso o colocou perante o árabe, com um revólver na mão, com um sol acutilante, com um torpor alucinatório da tarde: poderia ter fugido; poderia ter-se aproximado sem pensar no revólver; poderia ter disparado para o ar de modo a afugentá-lo; poderia etcetera e tal… Ele disparou, matou um ser humano e, como a base da ética é a liberdade, o seu acto foi, sem dúvida, imoral, no sentido em que usou a sua liberdade para acabar com a liberdade de outro indivíduo semelhante, sujeito ao acaso da liberdade do primeiro.
Com esta conversa toda, quero mostrar que acaso e liberdade se entrecruzam e interpenetram e fazem parte um do outro. Se não houvesse acaso, haveria liberdade? Com certeza que não, uma vez que as escolhas e os actos de cada individuo não poderiam influenciar qualquer outro indivíduo, directa ou indirectamente, sem este tomar parte nesses mesmos actos e escolhas – liberdade sem acaso é uma redundância. Acaso sem liberdade também o é, porque passaria a ser, não acaso, mas destino. (acaso é diferente de “ser natural”, é o tal “por que sim” ou “porque sim”).
Ainda assim, Mersault não poderia ser julgado tão levianamente, já que ficamos sem saber se o “homem animal” se sobrepôs ao “homem humano”, e, se assim o foi, obviamente que, aí sim, o conceito de liberdade deixaria de existir e, com ele, o de responsabilidade. Isto duma perspectiva genericamente kantiana da ética, grosso modo dizendo, onde o que conta é a intenção e não o acto e os seus efeitos.
Aqui vemos Sartre com a sua “pluralidade de verdades” – não cheguei a conclusão nenhuma nas minhas reflexões, fiquei-me pela busca. Para mim, é esta busca o suporte do sentido nenhum da existência. Eu, e muitos outros, vivemos nesta redundância ilimitada:
A EXISTÊNCIA NÂO TEM SENTIDO. O SEU SENTIDO É A BUSCA POR UM SENTIDO.
É uma questão de não impor um limite ou caminho único, mas antes uma pluralidade de caminhos, ou seja, viver o absurdo intensamente, numa busca insaciável, na qual se é extremamente feliz, por se penetrar completamente nos “gozos”, e extremamente infeliz, por se penetrar completamente nos “aborrecimentos”.
Aos que defendem a ausência de dor ou o máximo prazer como fim último, uma palavra: TÉDIO – é o que acontece aos que se guiam por um único caminho e descobrem que, por mais que tentem, um caminho não cobre tudo o que pretendem que seja a felicidade plena. É necessário haver negativo para que haja positivo, ou o positivo torna-se neutro!
Deixo-vos, aqui, um poema de Alexandre O’Neill que diz, sobretudo, isto, embora diga muito mais.

OS ATACADORES

A noiva já de noiva, a noiva já na igreja
e tu não encontras os atacadores!

Já viste na caixa dos sobejos, na mão dos bocejos?
Já viste na gaveta da cómoda?
Já viste nas pregas da imaginação?

Ganha os campos, foge, precede-te a ti mesmo
como um homem legalmente espavorido
por anos de critério,
sê repentino como um menino!

Convém-te não encontrar os atacadores?

Há noivas que esperam até murcharem as flores,
noivas de pé, muito brancas e já a fazer beicinho…

Procura… Procura sempre, pobrezinho!...
Procura mas não encontres os
atacadores…

ALEXANDRE O’NEILL, em Uma Lisboa Remanchada

quinta-feira, 3 de julho de 2008

Começar em Grande

Leitores, como desconstrutor (ou destruidor) de estabilidades, cá estou eu, com a minha espada chamada Filosofia, para destruir o pus e a pústula, chamados Verdade e Certeza.
Não sou um grande estudioso nem um grande sabedor. A Filosofia que aqui vou apresentar não será a do filósofo (a formal, por assim dizer), mas antes a latente das letras e da teologia, que contêm os melhores trechos de Filosofia e, em simultâneo, de Arte.
Debruçar-me-ei, sobretudo, na tríade do Sentido da Existência, isto é, Metafísica, Ética e Ontologia, e na Estética, tão essencial quanto as outras e tão intrinsecamente ligada a elas.

Abomino construções de estruturas mentais e psicológicas, por constituirem um limite imposto pela nossa capacidade ilimitada de pensar (ou de sentir, que são, já nos dizia o grande destruidor de almas Fernando Pessoa, a mesma coisa [já lá vamos um dia destes]).
No fundo,
ABAIXO PLATÃO
VIVA OS SOFISTAS!

Para começarmos numa fusão nuclear, que tal um quase-niilismo camusiano?

"Não há factos eternos, como não há verdades absolutas.", esse grande desconstrutor que foi Nietzsche já no-lo dizia. Aproveito a deixa para introduzir aqui esse clássico da literatura que é "O Estrangeiro" do shor Alberto - as estrondosas frases curtas (meio neo-realistas), a compassar musicalmente o absurdo de cada instante, que não passa dum instante nunca penetrado, nunca compreendido a fundo, apenas gozado ou por gozar; o ridículo dos afazeres quotidianos; o mais assustador: a hierarquização desierarquizada desses instantes: o calor tão importante como a morte da mãe; o sentido nenhum da palavra amor. Aliás, nada mais há do que gozos, aborrecimentos, memórias que dão gozo e memórias que dão aborrecimento...
Sim, esse "inocente", esse "maluco", que o protagonista Mersault parece ser, entra em cada leitor e diz-lhe: "Tás a ver? A vida é para encher chouriços. Que tem arranjar uma gaja boa no dia seguinte ao enterro da minha mãe onde não sofri nem um pouco, tirando os «aborrecimentos» de aturar uns velhadas e um calor insuportável por mera convenção e obrigação social? Tudo é efémero, para quê o remorso se o acaso existe? Serei um criador de desumanidade por matar por acaso? Por uma morte dum parente não me induzir dor por acaso? Por ter um revólver dum amigo chamado Raimundo no bolso por acaso?"
Para a personagem de Camus, é assim, nada é bom nem mau: tudo é natural.
Para mim, o acaso significa o mesmo do que "por que sim"...

ACASO E EFEMERIDADE DESTROEM OS CONCEITOS DE BEM E DE MAL?
HÁ MORALIDADE E IMORALIDADE OU APENAS O ACASO?
FAZ SENTIDO A VIDA OU É ABSURDA?
Jean-Paul Sartre fala de "pluralismo irredutível das verdades", de "finitude"...

Deixo isto assim, no ar, a marinar nas vossas cabeças pensantes, esperando os jeitosos dos feedbacks em comentários.

Aconselho, para o tema:
Nietzsche - O Anti-Cristo (entre outros)

Poesias Completas de Álvaro de Campos (Fernando Pessoa, com Álvaro de Campos, é o verdadeiro criador da Filosofia do Absurdo, embora nunca chegasse a dar-lhe um nome)

Albert Camus - O Mito de Sísifo (teorização filosófica do seu "romance" O Estrangeiro, digamos assim)