sexta-feira, 2 de janeiro de 2009

Acerca de "Ensaio Sobre a Cegueira"

Um homem, no meio do trânsito, numa cidade atribulada, deixa de ver. Quem o ajuda, aproveita para o roubar. Qual dos dois é o cego?
A mulher do homem que cega, plena de egoísmo, vai imediatamente a uma unidade privada de saúde e passa tudo e todos para cuidar do cego. Qual dos dois será, verdadeiramente, o cego?
Rapidamente, numa sociedade ávida de crescimento, veloz, imparável, embrulhada para o seu umbigo, a cegueira instala-se como se fosse uma praga e, ao que parece, ninguém entende que essa cegueira vem, igualmente, do umbigo, e trata de excluir os cegos. Mais uma vez, quem estará cego?
Cegueira não é coisa de cego, não escolhe entre cegos e visuais. José Saramago levou isto à letra e, no seu Ensaio Sobre a Cegueira, reflecte sobre esta “cegueira branca” dos nossos dias. E que cegueira é esta? Há vários pontos de reflexão que importa frisar.

Em primeiro lugar, o porquê de ser branca. O negro é a ausência de cor, representa, o vácuo. Já o branco só se alcança através da junção de todas as ondas electromagnéticas visíveis, ou seja, de todas as cores. Assim, chegamos à conclusão de que esta cegueira não é uma cegueira de ausência, de vazio, mas antes uma cegueira provocada pelo excesso de visão. Excesso – é ou não é a palavra ideal para retratar o real quotidiano dos nossos dias?
Tantas notícias de mortes e assassinatos nem nos permitem digerir, humanizar, sentir o que isso representa. Impassibilidade não será, porventura, um novo tipo de cegueira?
Tantos são os bens materiais que nem temos tempo, ou sequer motivação, para gozar cada um deles. Não apreendemos deles o seu valor humano, o que faz deles meras drogas efémeras e, tal como o drogado se afunda cada vez mais no seu vício, a nossa sociedade afunda-se cada vez mais neste desejo de riqueza, nesta necessidade de Ter. A supremacia do Ter em relação ao Ser, que é a maior característica da sociedade ocidental, segundo Agostinho da Silva, não será, também, um novo tipo de cegueira?
Álvaro de Campos (Fernando Pessoa), já em 1917 anunciou, no seu Ultimatum, que se aplicava a Lei de Malthus à sensibilidade, ou seja, “os estímulos da sensibilidade aumentam em progressão geométrica; a própria sensibilidade apenas em progressão aritmética.” E continua: “Temos, pois, que a uma certa altura da civilização há-de haver uma desadaptação da sensibilidade ao meio, que consiste dos seus estímulos — uma falência portanto. Dá-se isso na nossa época, cuja incapacidade de criar grandes valores deriva dessa desadaptação.” É esta a cegueira retratada no filme. É esta a cegueira acerca da qual José Saramago escreveu.

Em segundo lugar, é de extrema importância dissecar o papel do egoísmo nesta história de sobrevivência, de compreensão e readaptação a um critério muito difícil de definir – a humanidade. O Ser Humano, que será o mesmo que dizer, a Pessoa, caracteriza-se pela autonomia, consciência, singularidade e responsabilidade, que, por si sós, exigem à partida um certo grau de egoísmo, isto é, uma necessidade de nos avaliarmos – “o Homem é, simultaneamente, legislador e súbdito de si mesmo” (Kant) – e de nos centrarmos minimamente em relação ao nosso ser, por forma a que exista uma independência, um “si-mesmo” que actue, não apenas em função do meio, mas relacionando-se activamente com este.
No entanto, o que se passa na nossa sociedade é que o egoísmo transbordou para o egotismo, isto é, um verdadeiro culto, endeusamento, do individualismo. Mais uma vez, há uma cegueira provocada por um excesso – o excesso de egoísmo. A partir do momento em que o “eu” se superioriza ao “nós”, todo um sistema de valores humanos desaparece, já que cada ser humano passa a ter o papel duma espécie inteira e, assim, vigora a lei do mais forte, a lei da Natureza.
Contudo, repare-se que foi essa mesma cegueira, no filme, que provocou a reunião dos indivíduos, que rapidamente compreenderam que, sós, virados para si mesmos, não conseguiriam sobreviver.
De notar, também, que, mesmo no final, quando o primeiro que cegara recuperou a vista, os seus acompanhantes ficaram radiantes, não porque ele recuperou, mas porque, em breve, seria provável que também eles recuperassem a vista. É inevitável, o egoísmo. Tem é que haver um equilíbrio entre o ser individual e o ser relacional.

Para terminar, desenganemo-nos em relação à verdadeira essência de Ensaio Sobre a Cegueira. Ao contrário do que possa parecer, esta história dramática, plena de imagens violentas, de desespero, de atrocidade, de desumanidade, não constitui uma visão negativa em relação ao estado actual da Humanidade. Pelo contrário, pretende mostrar o processo de aprendizagem pelo qual estamos a passar, neste preciso momento. A necessidade de sobrevivência e, mais do que isso, a gigantesca quantidade de Humanidade que nos resta, mais cedo ou mais tarde, despertar-nos-ão desta agnosia visual. É uma história de esperança.
Na contracapa do livro, encontramos nós a cura, segundo o autor: "Se puderes olhar, vê. Se podes ver, repara."

2 comentários:

Sofia disse...

Hum... parece-me que é este o trabalho que vais apresentar à professora de Psicologia sobre o filme.


Tu nunca tiveste um tamagotchi? Eu tive dois. Então tu não sabes qual é a sensação de ter um "filho electrónico". De lha dar de comer quando tem fome, fazer festinhas... Deixas muito a desejar quando fores pai. Quero ver como te safas.
Quem não chora na parte da morte do Mufassa?!Ou então, como eu, quem não passa à frente essa cena porque tem medo do que se vai passar?!
É inadmissível, Benjamim Natura, que não saibas de cor uma música de Disney. Quer dizer, tu sabes algumas, pelo menos o refrão (eu ensinei-te).
Eh pá, quanto aos Onda Choc, deixa lá, se não os conhecias também não perdeste grande coisa. (Mas foi assim que eu conheci a "Come as you are" dos Nirvana, com uma adaptação românticó-lamechas em português feita por aquele fantástico (?) grupo de jovens.)

Anónimo disse...

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