Andei eu a reflectir nestas questões nestes últimos dias. Ao Sr. Anónimo, obrigado pelo hábito, que é, realmente, fulcral para a compreensão do absurdo.
Encontramo-nos, na Filosofia do Absurdo, perante três conflitos:
o acaso contra a liberdade;
a finitude contra a eternidade;
o hábito contra o amor (ou o sentimento, em geral).
Comecemos por tentar resolver o acaso. Finitude e hábito ficam para outros dias. O acaso existe? Com certeza. Estamos expostos a catástrofes naturais. A acidentes provocados por terceiros. A doenças sem cura. Em suma, não somos senhores de nós. Aliás, não somos totalmente senhores de nós, porque se o não fossemos totalmente, não existiria a responsabilidade, tão pouco a escolha. O acaso soa a natureza, mas o homem é contranatura: dentro do determinismo a que está sujeito, tem toda a liberdade de escolha, isto é, o acaso determina apenas o campo de acção em que podemos escolher e não a escolha em si. Deste modo, Mersault tinha inúmeras hipóteses no momento em que o acaso o colocou perante o árabe, com um revólver na mão, com um sol acutilante, com um torpor alucinatório da tarde: poderia ter fugido; poderia ter-se aproximado sem pensar no revólver; poderia ter disparado para o ar de modo a afugentá-lo; poderia etcetera e tal… Ele disparou, matou um ser humano e, como a base da ética é a liberdade, o seu acto foi, sem dúvida, imoral, no sentido em que usou a sua liberdade para acabar com a liberdade de outro indivíduo semelhante, sujeito ao acaso da liberdade do primeiro.
Com esta conversa toda, quero mostrar que acaso e liberdade se entrecruzam e interpenetram e fazem parte um do outro. Se não houvesse acaso, haveria liberdade? Com certeza que não, uma vez que as escolhas e os actos de cada individuo não poderiam influenciar qualquer outro indivíduo, directa ou indirectamente, sem este tomar parte nesses mesmos actos e escolhas – liberdade sem acaso é uma redundância. Acaso sem liberdade também o é, porque passaria a ser, não acaso, mas destino. (acaso é diferente de “ser natural”, é o tal “por que sim” ou “porque sim”).
Ainda assim, Mersault não poderia ser julgado tão levianamente, já que ficamos sem saber se o “homem animal” se sobrepôs ao “homem humano”, e, se assim o foi, obviamente que, aí sim, o conceito de liberdade deixaria de existir e, com ele, o de responsabilidade. Isto duma perspectiva genericamente kantiana da ética, grosso modo dizendo, onde o que conta é a intenção e não o acto e os seus efeitos.
Aqui vemos Sartre com a sua “pluralidade de verdades” – não cheguei a conclusão nenhuma nas minhas reflexões, fiquei-me pela busca. Para mim, é esta busca o suporte do sentido nenhum da existência. Eu, e muitos outros, vivemos nesta redundância ilimitada:
A EXISTÊNCIA NÂO TEM SENTIDO. O SEU SENTIDO É A BUSCA POR UM SENTIDO.
É uma questão de não impor um limite ou caminho único, mas antes uma pluralidade de caminhos, ou seja, viver o absurdo intensamente, numa busca insaciável, na qual se é extremamente feliz, por se penetrar completamente nos “gozos”, e extremamente infeliz, por se penetrar completamente nos “aborrecimentos”.
Aos que defendem a ausência de dor ou o máximo prazer como fim último, uma palavra: TÉDIO – é o que acontece aos que se guiam por um único caminho e descobrem que, por mais que tentem, um caminho não cobre tudo o que pretendem que seja a felicidade plena. É necessário haver negativo para que haja positivo, ou o positivo torna-se neutro!
Deixo-vos, aqui, um poema de Alexandre O’Neill que diz, sobretudo, isto, embora diga muito mais.
OS ATACADORES
A noiva já de noiva, a noiva já na igreja
e tu não encontras os atacadores!
Já viste na caixa dos sobejos, na mão dos bocejos?
Já viste na gaveta da cómoda?
Já viste nas pregas da imaginação?
Ganha os campos, foge, precede-te a ti mesmo
como um homem legalmente espavorido
por anos de critério,
sê repentino como um menino!
Convém-te não encontrar os atacadores?
Há noivas que esperam até murcharem as flores,
noivas de pé, muito brancas e já a fazer beicinho…
Procura… Procura sempre, pobrezinho!...
Procura mas não encontres os
atacadores…
ALEXANDRE O’NEILL, em Uma Lisboa Remanchada
segunda-feira, 7 de julho de 2008
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6 comentários:
vou ter de dizer que a existência tem sentido. o amor é a busca e o fim do caminho. a infinidade de trihos existe realmente, porque não é fácil encontrar um papel perfeito no mundo, nem há um só papel a cumprir. no entanto, tenho de dizer que a vida tem sentido. o amor é a busca e o fim do caminho.
e o amor, tem sentido? se tem, qual é? concordo plenamente consigo, mas ficamos na mesma, porque o amor é absurdo! E ainda bem, porque é isso que o faz ilimitado, o seu sentido nenhum.
mais tarde desenvolverei esta ideia...
OH meu caríssimo Tirano das Mentes, aqui o Demagogo reveu o seu blog e publicou lá o seu mui bonito perfil filosófico! Se quiser, mais tarde, passe por lá :D
Quanto ao seu, está um encanto! Devo dizer que o amor é absurdo e, tendo esse facto em conta, a vida é absurda porque, na vida, o que interessa é encontrar o amor... :)
o que é um pouco estranho.
Nestes últimos tempos tenho aprendido muito sobre o Amor. Tal como tu e o Rui disseram, o Amor é absurdo. É ilimitado, é indefinido, porque por mais palavras que procures, estas nunca conseguem ser tão fortes como o sentimento que tentam representar. O Amor é questionável, o que o torna, por vezes, irritante, mas é isso que dá "pica", temos que ser nós a descobrir tudo, "tudo" como quem diz, porque não há ninguém que saiba tudo sobre o Amor, não o conseguem explicar porque, lá está, Ele é, como tu dizes, ilimitado e não tem sentido, apenas se rege por um "Porque sim!"
Porque é que amamos? Porque sim! E ainda bem, é tão bom!
E temos tantas maneiras de transmitir Amor, e há tantos tipos de Amor, e nesses tantos tipos de Amor é igualmente possível dividi-lo em outras tantas "categorias" (chamemos-lhe assim).
Olha, por exemplo, lembrei-me agora da nossa amiga dialética do Amor-platónico e o Amor-sensível que chega, ao fim e ao cabo, a não ser dialética nenhuma, porque eles complementam-se. O Amor platónico (como o do Henrique e da Beatriz) é todo muito lindinho e essas coisas todas mas, na minha opinião, precisa do Amor sensível; é preciso o sentir, o tocar (como no "Cidade dos Anjos"), é essencial, ou se não é, pelo menos deveria ser.
Sabes, acho que não consegui explicar tudo, muito menos como queria, mas tentei. Já sabes que eu me embrulho toda.
Em primeiro lugar, quero saudar o regresso de Benjamim ao universo da blogosfera. E que regresso, diga-se de passagem.
Bom, e agora vou direita à questão (e espero não me embrulhar, como diz a Sofia). Acaso e absurdo. Para mim, o acaso é a melhor maneira do ser humano constatar que, embora se julgue dono e senhor da sua existência, a verdade é que há um sem-número de acontecimentos que não conseguimos controlar, que não conseguimos prever. Essa é a nossa maior fraqueza (para alguns) - não ser capazes de controlar tudo o que nos rodeia - mas também a nossa maior bênção, por assim dizer. Consegues imaginar o TÉDIO (já sei que odeias esta palavra, mas não há outra melhor) que seria a nossa vida se não existem estes acasos? O acaso é, assim, uma espécie de sal (se calhar até pimenta) da existência. Um tempero, para combater o tédio sensaborão de uma vida programada.
E o Amor? É a coisa mais absurda que há, e é nisso que reside o seu fascínio. Se o Amor fosse lógico, perderia metade da 'graça'. Não valeria a pena, pura e simplesmente.
P.S. Espero muito sinceramente não te ter cansado com este sermão. Se foi o caso, as minhas desculpas. Acho que me embrulhei toda na mesma, mas paciência. Fico à espera de mais ideias saída dessa tua cabeça pensadora e inquieta.
desculpa, mas não odeio a palavra tédio, primeiro porque as palavras não se odeiam, segundo porque até ele é necessário.
quando falar de amor, tentar-me-ei explicar melhor...
"SÊ REPENTINO COMO UM MENINO", eis a chave do real quotidiano
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